O cinema encontra-se, aparentemente, em uma zona de conforto. Griffith, Eisenstein, Riefenstahl, Tarkovski, os garotos da nouvelle vague, entre outros, contribuiram para a formação desta arte relativamente nova, de apenas cento e poucos anos, que engatinha se comparada a outras artes milenares. Muitos usam muito bem o que já foi construído e fazem filmes maravilhosos, mas poucos dão continuidade nesse ato de “pensar o cinema” e aprimorá-lo. Malick talvez seja um destes poucos.
Em seu livro “Esculpir o Tempo”, Andrei Tarkovski diz que o cinema é a arte que mais se aproxima da memória e que é nela que deve ser inspirado. Sua obra mais pessoal e visceral, “O Espelho” leva ao pé da letra este conselho que ele deu a si mesmo e para quem mais lesse o livro. Há poucos dias atrás li uma citação de Serge Daney ; “Enquanto Godard faz os filmes que ainda não podem ser feitos, Tarkovsky faz os filmes que desde já nunca mais poderão ser feitos”. Pode ser verdade.
Mas Terrence Malick em “A Árvore da Vida” mostrou que entendeu o conselho do velho Tark e, ao seu modo, imprimindo sua personalidade a cada movimento de câmera, Malick constrói um filme feito de um apanhado de memórias.
Apesar de o filme tratar exatamente do tema “lembranças”, não é apenas nesse sentido que eu digo que o conceito de memória é utilizado. É no modo como as imagens são passadas. Elas não são estáticas, não têm começo ou fim, são trechos apenas; de lembranças, reflexões, sonhos, imagens formadas na cabeça do personagem, do diretor, dos editores, que juntas nos contam uma história de uma maneira única.
Seu novo filme, “To The Wonder”, estreou em Veneza há poucos dias. Pelo que foi publicado, Malick repetiu a fórmula (ou a aprimorou?) que parece ter encontrado depois de alguns anos recluso. Aliás, aparentemente isso o animou. Junto com “A Árvore da Vida” e “To The Wonder”, outros dois filmes já estão sendo produzidos pelo diretor. Um recorde para quem havia dirigido apenas 5 filmes em 35 anos (e um deles era um curta).
A recepção do filme recém-lançado, assim como o lançado no ano anterior, dividiu o público. E aqui deixo minha opinião, quase passional, é verdade. Talvez o motivo central desta divisão, principalmente das pessoas que odiaram e até vaiaram o filme, se deve ao estranhamento do novo. O cinema que Malick apresentou é diferente do que se está acostumado, até mesmo para os grandes críticos e cinéfilos. E o novo nunca foi e nem será unanimidade. Torçamos para que este seja apenas mais um passo à favor da arte e que esta caminhe cada vez mais e mais.
*Agradecimentos especiais à Carolina Ito e Isabella Nascimento por me ajudarem na composição deste texto.
Belo texto, Kojak!
Só de Malick ousar a fazer um cinema autoral, novo e íntimo já é coisa digna de palmas. Um dos grandes experimentadores contemporâneos da linguagem fílmica, merece nosso amor.
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Merece e o tem! Pelo menos da minha parte, rsrs.
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Koja,
Ótimo texto. Assisti Árvore da Vida e encontrei ali um exercício muito belo de fotografia mas não vi na narrativa, por mais confusa que seja, qualquer grau de inovação. O conceito de inovação é complicado para o cinema. Vejo-o como dificultoso tendo por base os que já foi realizado na narrativa literária e a prisão que ainda significa a sala escura. Caracterizo Malick como autoral, mas inovador ainda deixo para futuros outros. Abraço.
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Salve, Ice! Então, eu na verdade não penso que a narrativa seja confusa. Não cheguei nessa conclusão na primeira vez que vi, mas agora, tendo visto já 3 vezes, as coisas fazem cada vez mais sentido (e tenho certeza que se eu vir 20 vezes, vou continuar aprendendo). Concordo que o conceito de inovação seja complicado, posso inclusive estar completamente equivocado em meus comentários sobre isso. Mas tive a impressão de ver (e também sentir) ali, coisa que nunca tinha visto antes (e com certeza nunca sentido). Pode ser, claro, consequencia de minha cinefilia ainda pouco desenvolvida. Tenho que ver muita coisa ainda, mas ao menos para meus olhos.
É bem verdade também que muitos que citei ali como inovadores, não só criaram novas coisas, como escreveram sobre isso. E a teoria é de suma importância neste caso, eu imagino. E isso o Malick não faz.
Enfim, ao menos a discussão rendeu; 🙂
Abraço!
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